quinta-feira, 29 de abril de 2010

HISTÓRIA DO CARRO BRASILEIRO






Desde os anos 20, a importação de automóveis era uma rotina bastante conhecida. A Ford Motors Company tinha iniciado a montagem de seus Ford “T”, em São Paulo, em 1919. A General Motors Company fez o mesmo a partir de 1925, com o Chevrolet “Cabeça de Cavalo”. Carro Nacional nessa época, nem mesmo em sonhos.

A partir de 1946, a montagem dos carros importados retomou sua rotina, mas alguma coisa havia mudado. A necessidade de improvisar peças de reposição durante o período da guerra fez com que surgisse uma incipiente indústria de autopeças, o que encorajou aqueles que pretendiam construir o automóvel brasileiro.

Os conformistas diziam que o Brasil jamais seria uma nação industrial porque, pela lei da divisão internacional do trabalho e pelos tratados e acordos dela decorrentes, os países subdesenvolvidos continuariam aprimorando sua especialidade de fornecedores de matérias-primas e os industrializados, desenvolvendo sua especialidade de fornecedores de produtos industrializados.

Com o regime de Licença Prévia, instituído em maio de 1948 e controlado pela Comissão de Exportação e Importação – CEXIM – a indústria teve um pequeno alento para desenvolver-se e melhorar seu equipamento. Contudo, em abril de 1951, devido ao temor de que o conflito na Coréia degenerasse em guerra mundial. Foram novamente abertas as portas a importação e de modo irrestrito, para permitir que o país fizesse estoques estratégicos.

Os empresários que viveram essa fase afirmam que foi um período crucial, uma prova de fogo para o setor de autopeças. As importações indiscriminadas esgotavam nossas reservas cambiais e o balanço de pagamentos estava a ponto de estourar. Em 1952, o Brasil era um país sem estradas e sem transportes.

A 31 de março de 1952, a Comissão de Desenvolvimento Industrial – CDI – criada pelo presidente Getúlio Vargas, instalou a Subcomissão de Jipes, Tratores, Caminhões e Automóveis, presidida pelo subchefe da Casa Militar da Presidência da República, o engenheiro naval comandante Lucio Meira. Este fato teve grande importância para os destinos da indústria automobilística nacional.

Advieram, depois, fatos animadores. O Aviso 288, da CEXIM, de 19/08/1952, foi o primeiro ato governamental relativo ao setor, liberando a importação de autopeças, mas limitando o licenciamento a artigos não fabricados no Brasil. Assim, 104 artigos produzidos pela indústria nacional continuaram com sua importação proibida. Outro fato importante foi a aprovação, em 30/10/1952, pelo presidente da república, das conclusões da subcomissão, relativas ao fomento da produção nacional de autopeças e implantação gradativa da indústria automobilística no País. Para convencer os incrédulos e pessimistas, foram organizadas mostras e exposições da indústria de autopeças.

A implantação da indústria automobilística nacional voltou à tona com a posse de Juscelino Kubitschek de Oliveira na Presidência da República. Lucio Meira, nomeado ministro da Viação e Obras Públicas, passou a chefiar um grupo de trabalho que deveria, no prazo de trinta dias, apresentar um plano para sua execução. Como decorrência, foi criado o Grupo Executivo da Indústria Automobilística – GEIA – pelo Decreto 39.412, de 16/06/1956. Esta data é considerada quase unanimamente o 1º marco histórico da indústria automobilística no Brasil, porque o GEIA realmente viabilizou os esforços, os planos e as iniciativas referentes ao parque automobilístico nacional.

Embora no final de 1956 tenham sido fabricados alguns veículos, a produção efetiva iniciou-se em 1957. Os dados estatísticos omitem a produção de 1956, computando-a no ano seguinte.

Na fase de implantação da indústria automobilística nacional, o GEIA recebeu mais de vinte projetos, dos quais apenas dezessete tiveram aprovação e somente doze foram concretizados: Fábrica Nacional de Motores (caminhões, ônibus e automóveis);
Ford Motor do Brasil S/A (caminhões, automóveis, utilitários e tratores);
General Motors do Brasil S/A (caminhões e automóveis);
International Harvester S/A (caminhões);
Mercedes Benz do Brasil S/A (caminhões e ônibus);
Scania Vabis do Brasil (caminhões e ônibus);
Simca do Brasil (automóveis e camionetas);
Toyota do Brasil S/A (utilitários);
Vemag S/A ( automóveis, camionetas e utilitários);
Volkswagen do Brasil S/A (camionetas, furgões e automóveis);
Willys Overland do Brasil (utilitários, camionetas e automóveis) e
Karmann Ghia do Brasil (carrocerias de automóveis).


NASCE O CARRO BRASILEIRO

A 15 de novembro de 1957, saía às ruas o primeiro automóvel fabricado no Brasil, com um índice de nacionalização relativamente elevado: tratava-se da perua DKW. Era um carrinho feio, que mais parecia um carro de padeiro. As linhas traseiras quadradas nada tinham a ver com a frente arredondada, herdada dos DKW fabricados na Alemanha, pela Auto-Union. Não havia muitas alternativas quanto à cor da pintura nem do estofamento. Mas a perua andava bem e surpreendia pelo desempenho e economia.

O motor era de dois tempos e três cilindros, com tração dianteira. Apenas 900 cm3 e 40CV. No entanto, sua aceleração e sua velocidade máxima eram razoavelmente boas para a época. O câmbio tinha quatro marchas para a frente e a estabilidade era satisfatória. O consumo de gasolina – que não era levado em conta naqueles tempos de fartura de petróleo – era surpreendentemente baixo. O grande inconveniente era a necessidade de se misturar o óleo à gasolina, no próprio tanque. Além disso, o cheiro exalado pela furgoneta fosse simplesmente horrível.

Na verdade, a perua DKW foi o primeiro carro brasileiro com características de continuidade. Mas, antes dela, deve-se mencionar o aparecimento da Romi-Isetta, chamado carro-bolha, fabricado pelas Indústrias Romi de Tornos por um breve período. Além disso, tanto a Ford como a GM haviam nacionalizado grande parte de seus componentes da linha de montagem. A Willys, logo a seguir, nacionalizou totalmente o seu Jeep Willys.

Em 1959, porém, o automóvel nacional tornou-se uma realidade palpável: ele era visto nas ruas e nas estradas, estava nos concessionários e podia ser adquirido, até mesmo financiado. Neste ano surgiram a perua DKW de linhas renovadas, o sedan DKW, o primeiro Volkswagen 1200, o Simca Chambord, a VW Kombi e o Renault Dauphine.


PRIMEIRA FASE: A simples Cópia

Na verdade, os primeiros anos da indústria automobilística nacional marcaram a fase da cópia, ou seja, os “nossos” carros nada mais eram do que veículos já existentes, fabricados nos seus países de origem, onde geralmente não haviam obtido muito sucesso. Graças à política de incentivos de então, os fabricantes podiam importar seu ferramental sem pagar impostos.

Os DKW eram fabricados pela Vemag, sob licença da Auto-Union da Alemanha. Já tinham dois anos de experiência de Brasil e uma pequena rede de revendedores. Como todos os demais, pagavam royalties para o exterior. A Volkswagen da Alemanha começava a crescer nos quadros de vendas mundiais, a partir de 1948. Acreditou no Brasil e fez aqui sua primeira fábrica fora do país. O besouro 1959 e a Kombi tinham praticamente a mesma mecânica, baseada no pequeno motor de 1200 cm3. Foram, desde o início, um sucesso de vendas.

Os motoristas mais velhos devem se lembrar da propaganda VW na época: apologia do motor refrigerado a ar, das barras de torção. Vale como curiosidade: nos dias de hoje os melhores automóveis são exatamente o oposto.

A França colaborou com dois automóveis: o Simca Chambord e o Renault Dauphine. O primeira era fabricado pela própria Simca, instalada num prédio que anteriormente pertencera à Varam Motores, montadora de automóveis e caminhões Nash. O primeiro Simca Chambord de 1959, era uma cópia do Simca Vedette, fabricado na França desde 1957. Este carro, curiosamente, lembrava um modelo Ford, pois seu projeto originalmente era americano.

O motor, de oito cilindros em “V”, tinha válvulas laterais e assemelhava-se aos antigos motores importados dos Ford 60HP.

O Simca Chambord possuía uma carroceria das mais luxuosas, com acessórios totalmente inúteis no Brasil. Suas linhas eram vistosas e os materiais usados no acabamento também. Mas o carro tinha muitos defeitos; deles, o mais aborrecido era uma embreagem que patinava constantemente. Outros possuidores queixavam-se também de problemas na parte elétrica e, mais tarde, verificou-se que seus motores gastavam muito óleo.

O Renault Dauphine havia sido lançado na Europa em 1957 com a finalidade de combater o VW, cujo sucesso de vendas era esmagador. Estranhamente, porém, era fabricado no Brasil por uma firma americana, a Willys Overland, que fazia também os Jeeps, veículos herdados da Segunda Grande Guerra, cuja sigla era uma corruptela de GP (leia-se Jipe), iniciais de General Purpose Vehicle, ou seja, veículo de uso geral.

Os primeiros Dauphines fizeram sucesso inicial, mas logo começaram a surgir problemas e defeitos, que levaram o povo brasileiro – incorrigível gozador – a chamá-los de “Leite Glória”, porque se “desmanchavam instantaneamente”. Esse mesmo espírito brincalhão batizou os primeiros Simcas de “Belo Antonio”, por causa de um filme exibido na época, cujo protagonista principal, Marcelo Mastroiani, era um homem bonito, requisitado por todas as mulheres, mas que na hora “agá “não funcionava”.

O Dauphine possuía motor de quatro cilindros, quatro tempos, tração traseira, câmbio de três marchas e deslocava apenas 850 cm3.

A fábrica, de modo meio maroto, anunciava que ele era capaz de fazer “até 16km com um litro de gasolina”, o que era uma verdade apenas parcial, pois esse índice só era atingido em condições especialíssimas. E isso, somado à inadequação do projeto às nossas estradas, contribuiu para que o carrinho ficasse logo desacreditado.

1960, Aero-Willys e JK

O ano de 1960 mostrou dois novos produtos ao mercado brasileiro. O primeiro foi o Aero Willys, um carro herdado de um projeto americano que havia sido desativado por insucesso. Lá as versões desse automóvel eram conhecidas como Aero-Ace, Aero-Wing, Bermuda (um cupê duas portas), fabricado pela Willys Overland dos EUA, com os componentes mecânicos dos Jeep Willys.

O ferramental veio ao Brasil e a Willys começou a produzir automóveis (apenas os modelos 4 portas). Eram carros duros, com uma linha arredondada de gosto muito discutível, mas que representavam na época a única opção para quem não quisesse entrar num Simca e precisasse de um automóvel maior que os VW, DKW e Dauphine. Seu motor era bom: seis cilindros em linha, o usado no Jeep (que mais tarde passou a ser usado nas Rurais e nos demais modelos derivados do Jeep, e até mesmo nos Mavericks fabricados pela Ford). Esse motor tinha uma característica incomum: a válvula de admissão situava-se no cabeçote, mas a válvula de escapamento ficava no bloco.

Ainda em 1960 foi lançada a segunda novidade: o JK, em homenagem ao patrono da Indústria Automobilística Nacional, Juscelino Kubitschek. Tratava-se do Alfa Romeu 2000, que havia sido lançado na Itália em 1957, mas que não tinha obtido o mesmo sucesso dos demais Alfas. Por isso, a Fábrica Nacional de Motores, única indústria automotiva de propriedade do governo brasileiro, trouxe todo o ferramental para a construção desse carro e relançou-o aqui, batizado de JK.

Os primeiros JK eram procuradíssimos pelos experts brasileiros. Mas como a fábrica era do governo e a produção muito pequena, era um carro raro de ser visto e muito difícil de ser comprado. Na verdade, para a época, era um supercarro com motor de quatro cilindros em linha, 2000cm3, duplo comando na cabeça, câmbio de cinco marchas e suspensão muito estável, ele era nitidamente superior aos seus concorrentes. Muito veloz, fazia mais de 150km/h reais, enquanto os demais mal se aproximavam dessa marca. Sua mecânica permaneceu praticamente inalterada até 1974, quando surgiu o atual 2300, com sensíveis modificações.

Entretanto, a Fábrica Nacional de Motores, que já montava e fabricava os caminhões FNM sob licença da Alfa Romeo há muito, passava por sucessivas crises administrativas. E a qualidade de seus automóveis se ressentia disso.

Em 1960, ainda, a GM, que já fabricava caminhões e camionetas, lançou uma perua sobre o chassi de sua camioneta menor, batizando-a de Amazona. Era um veículo meio desengonçado, mas com características mecânicas muito boas, especialmente de resistência. Esse veículo usava o motor de 6 cilindros em linha, padrão para todos os caminhões da GM, de 4200 cm3. Um detalhe curioso: esse motor seria usado posteriormente, num carro esportivo brasileiro: o Brasinca Uirapuru.

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